quarta-feira, 5 de dezembro de 2012


SYLVIA PLATH – DIÁRIOS
SENSIBILIDADE TRÊMULA
 
Chega uma época em que todos os seus canais de expressão ficam bloqueados, como se entupissem de cera. Você se senta no quarto, sentindo uma dor pungente no corpo, que trava a garganta e se contrai perigosamente no canal lacrimal atrás do olho. Uma palavra, um gesto, e tudo que está retido dentro de você – ressentimentos moídos, inveja gangrenosa, desejos supérfluos – frustrados – tudo isso explode para fora de você em lágrimas de uma fúria impotente – soluços constrangedores, um choro que não é endereçado a ninguém em particular. Nenhum ombro a amparará, nenhuma voz dirá: “Calma, calma. Durma que vai passar”. Não, em sua nova e horrível independência você sente a perigosa dor premonitória a crescer na insônia e nervos à flor da pele, sente que as apostas contra você são altas nesta mão e continuam a aumentar. Você precisa de uma válvula de escape, mas as saídas estão bloqueadas. Passa dia e noite numa prisão escura entorpecente que você criou para si. E, neste dia, parece que vai explodir, arrebentar, se não der um jeito de abrir o imenso reservatório de mágoas que a sufoca e se livrar delas. (...)

Você rilha os dentes, desprezando-se por tanta sensibilidade trêmula, sem saber direito como os seres humanos suportam a dor de ter sua individualidade esmagada impiedosamente sob uma estrutura ditatorial – da indústria, do estado ou de uma instituição – pela vida toda. E aqui você agoniza por míseras semanas de sua vida. Liberdade, estar solta e por sua conta a aguardam logo adiante, no calendário. A vida inteira não se perdeu... E talvez algo de bom esteja brotando discretamente, no anonimato da escuridão, enquanto isso. (...)

Deitada nua na cama com as janelas abertas, sentia o vento salgado soprando em meu corpo bronzeado, o odor fresco vespertino da grama recém-cortada e a vibração das ondas a estourar no final da rua. E, deus, pelos vapores de amônia faça com que a mente em estado de letárgico abandono desperte num tranco e adquira consciência aguda e trêmula – há a corrente de luz, a extensa faixa azul prateada, o brilho prateado oriental da luz sobre a água do mar.

 

In: PLATH, Sylvia. Diários, 1950-1962. São Paulo: Globo, 2004. P. 104-5.