sexta-feira, 31 de agosto de 2012


Antiterapias, de Jacques Fux

Por Jardel Dias Cavalcanti

 

A editora Scriptum acabou de lançar a obra literária Antiterapias, de Jacques Fux. Lendo o livro, imediatamente nos vem à mente a frase do poeta Wally Salomão: “A memória é uma ilha de edição”. Pois isso é o livro de Fux, a narrativa de sua memória, editada a partir de acontecimentos de naturezas diversas, das quais não temos certeza se são reais ou inventadas.

Pouco importa, como uma espécie de Capitão Ahab que persegue a baleia do seu inconsciente social, afetivo e literário, Fux nos lança num fluxo de fatos relativos à sua formação literária, sexual, emocional, existencial, política e filosófica, misturando dados da literatura que o apaixonou aos dados de sua existência em busca da auto-realização enquanto artista e no amor, não deixando ainda de lado a compreensão histórica e política do mundo.

Literatura sincera, não poupa as frustrações, as mentiras que inventa para si e para o mundo, deixando fluir de sua pena um jorro de desejos reprimidos (amor, ódio, ressentimentos, sonhos), transformados pelo escritor numa aventura literária de grande força. O resultado é capacidade de envolver o próprio leitor nas suas memórias, levando-o a investigar a si mesmo, agora com a delicada ironia de Fux, com o desprendimento de um brincalhão, que decidiu rir de si mesmo (como o filósofo exigido por Nietzsche), sofrer a céu aberto, mas com a grandeza da literatura, única possibilidade, talvez, de se transformar a vida em algo digno de ser vivido.

Em Antiterapias, Fux relata suas primeiras incursões pelas zonas do desejo sexual, seu encontro com a mulher como ser desejado, os temores e ansiedades que esse desejo de amor cria e as idealizações que dela resultam. O autor não sofre sozinho, chama seus pares literários para depor a seu favor, seja ele Proust, Borges, Pessoa, Rilke, Leminski, Perec, etc. Sabe que estes escritores fizeram da literatura a matéria da vida, o sentido do existir, como Fux o faz agora. São eles, afinal, que intensificam a existência do autor, que ama porque autores descreveram o amor antes dele. Sabe sofrer, porque soube sofrer na literatura: amou como Bovary, Paolo e Francesca, Riobaldo e Diadorin, Romeu e Julieta. A literatura foi sua educação sentimental e o resultado profundo de sua vida emocional também será a literatura.

No centro do romance, a existência particular do judeu, que dada sua formação humanística, resvala para a descrença nas tradições de seu “gueto”, despertando para o sentido da justiça política universal, que acredita ser a forma mais ousada de pensar os traumas do passado histórico que o assombram. Comovido por lembranças dolorosas, o Nazismo e as práticas da violência e arrogância alemã são julgadas por ele no seu tribunal pessoal. Inventa uma figura, um personagem, Dibouk (espécie de alma penada), que ao longo do livro o desencanta de seus desejos e sonhos e que encarna alegoricamente o maldito estado de exceção que a vida e a história impõem ao homem.

Homem que duvida, que deseja mais do que a vida pode dar, o personagem não se encontra inicialmente nas suas escolhas, buscando aqui e acolá tornar-se o gênio desejado das ciências e matemáticas. Frustra-se, pois é preciso saber frustrar-se para se encontrar. E se encontra, agora, nas letras, espaço aberto para pensar a si mesmo, ao mundo e à própria criação literária.

Espécie de romance de formação, de um retrato do artista quando jovem, Antiterapias sabe que não há cura para a vida, muito menos para a vida intensificada pela literatura. Deseja, ao contrário da sanidade/normalidade, ser e continuar gauche na vida, retirando da dor, do sofrimento, das alegrias e angústias a matéria sobre o qual o autor criará sua obra. Como Mallarmé e Proust, sabe que a vida realmente vivida é a vida da literatura ou a vida transformada em literatura. Essa que agora nos podemos ler em Antiterapias para termos de volta nossa verdadeira vida.