segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

"O sacrifício de Isaac" na arte

Caravaggio

O tema do sacrifício é dos mais antigos e dos que aparecem com mais frequência em todas as grandes artes. Sacrifício propriciatório a deuses irritadiços ou sacrifícios de purificação e expiação pelos erros da coletividade, ele sempre exige uma vítima sem mancha, pois A  INOCÊNCIA DA VÍTIMA É QUE CONFERE AO SACRIFÍCIO O SEU VALOR PRIMORDIAL.
















domingo, 26 de fevereiro de 2012

Notas sobre Arquitetura, por ALAN COLQUHOUN


prédio de Le Corbusier

A primeira condição pela qual a arquitetura difere das outras artes é que ela é muito dispendiosa. Estando a arquitetura tão vinculada às fontes de finanças e poder, é muito mais difícil para o arquiteto do que para outros artistas operar dentro de uma cultura particular aparentemente autônoma ou manter a independência em relação ao gosto burguês, o que tem sido a ambição da arte desde o início do século XIX.

Para desempenhar um papel crítico eficaz, a arquitetura precisa aliar-se às principais tendências econômicas declaradas como progressistas – como aconteceu na década de 20, quando a “modernização” e o avanço técnico foram associados à renovação social e a uma visão utópica.

A segunda condição pela qual a arquitetura difere das outras artes é que seu modo de recepção é o da distração em vez da contemplação. Como Walter Benjamim ressaltou em seu ensaio “A obra de arte na sua era de reprodutibilidade técnica”, esse modo distraído de recepção – que o levou a ver a arquitetura como um paradigma para as artes caracteristicamente “modernas”, a fotografia e o cinema – é moldado pelo estabelecimento de hábitos. Dessa maneira, o poder que inicialmente parece ser investido no arquiteto é retirado dele – em primeiro lugar, porque ele é um mero agente e, em segundo lugar, por meio de um tipo de indiferença diante da arquitetura que decorre de sua própria ubiqüidade e utilidade.

Esses fatores desempenharam um grande papel no fracasso do movimento moderno na arquitetura em estar à altura de seu próprio programa, fundamentado como era em uma visão um tanto fictícia do papel profético e influente do arquiteto na sociedade.

A arquitetura fundou sua promessa em grande parte, na crença de que a tecnologia poderia resolver os problemas práticos e artísticos da existência social moderna.

Muitos fatores contribuem para a reação contra a cidade modernista. Um deles é a visão de que ela era essencialmente impossível de ser construída, exceto sob as inerentemente raras condições políticas que possibilitaram uma Brasília - e, que nesse caso, o resultado era altamente questionável, tanto do ponto de vista sociológico quanto estético.

Brasília

In: COLQUHOUN, Alan. Modernidade e tradição clássica: ensaios sobre arquitetura. SP: Cosac & Naify, 2004.


sábado, 25 de fevereiro de 2012

Objetos de Mario Alex, por Rogério Barbosa da Silva


O POETA NUMA OFICINA DE INUTENSÍLIOS, OU NUMA USINA DE SONHOS

            Rogério Barbosa da Silva[1]

Guarda letras

           
 Em sua exposição “Desambientes – Lavratório (oratório de palavras), o poeta, artista plástico e professor Mário Alex Rosa apresenta-nos uma série de objetos que se inscrevem fronteiriçamente entre as artes plásticas e a poesia, e através dos quais nos levam a pensar na poesia existente nas coisas que nos rodeiam todos os dias.

Já de saída os cerca de 30 objetos expostos em “Desambientes” sinalizam-nos com a proposta de sua ressignificação através da arte. A ideia, em si, de retirar os objetos do cotidiano e despragmatizá-los de sua função industrial, não é nova e nos faz remontar aos trabalhos dadaístas do início do século XX, como Kurt Schwitters ou Marcel Duchamp, bem como os de alguns surrealistas que adotaram o ready-made. No Brasil, ao fim dos anos 50 do século passado, poetas e artistas ligados ao neoconcretismo retomaram criticamente essas propostas, acreditando que os artistas das primeiras vanguardas teriam sido vencidos pelos objetos. Isto é, suas obras ter-se-iam enfraquecido ao serem novamente envolvidas pelo halo característico da coisa. Propõem, então, a “Teoria do não-objeto”. Nessa formulação, sem querer se opor à materialidade ou à natureza do objeto, os neoconcretos compreendem-no como “um corpo transparente ao conhecimento fenomenológico, integralmente perceptível, que se dá à percepção sem deixar rastro. Uma pura aparência.” (GULLAR, F. Teoria do não-objeto. In: COCCGIARALE, Fernando & GEIGER, Anna Bella. Abstracionismo; geométrico e informal – a vanguarda brasileira nos anos cinquenta. Rio de Janeiro: FUNARTE, 1987).

poema para a massa

            Em claro diálogo com essas propostas, que constituem um importante capítulo da história da arte, e consoante a atração que a forma sempre exerceu sobre artistas e poetas de tendências várias ao longo das tradições criativas ocidentais, os objetos criados por Mário Alex Rosa seguem uma senda própria. São, por um lado, exercícios de desvelamento de seu próprio imaginário (experiência e imaginação) e, por outro, constituem um diálogo especial com os poetas de sua admiração. O poeta catalão Joan Brossa, o mineiro Carlos Drummond de Andrade e o paulista Oswald de Andrade são evidências captadas já num primeiro olhar. Em cada um, Mário Rosa busca um elemento que se converte num insight poético e se materializa em linguagem-objeto a partir da potência lúdica de seu trabalho. No trocadilho de “Uma broca para Brossa” inscreve-se também uma linhagem do poeta designer, a qual pertencerá também o mineiro Mário Alex Rosa. Na irônica referência ao Drummond de “A procura da poesia”, o objeto formado por cadeados e letras, com o título “Trouxeste a chave?”, do verso drummondiano, parece insinuar, numa transmutação de linguagens, os limites do ato interpretativo na poesia. E por outra maneira, ressoando o Drummond de “A vida passada a limpo”, o ferro elétrico ressignificado a partir do jogo de letras e palavras recortadas, e que resulta no “Passando o poema a limpo”, faz também ecoar o trabalho medido e controlado da tradição cabralina. Evoca-se o João Cabral da poesia lúcida e que busca nos instrumentos vários (a borracha, a faca, o bisturi e outros) um meio de atingir a precisão do poema, isto é, um meio de dobrar a palavra na sua exata dimensão poética. Por aí também poderíamos ler os objetos “O cortador do poema” e o “Guarda-letras” - este que irremediavelmente nos faz lembrar os versos de Cabral para Drummond, em “A Carlos Drummond de Andrade”: “Não há guarda-chuva/contra o poema/subindo de regiões onde tudo é surpresa/como uma flor mesmo num canteiro”.

O corte do poema


            Muito sugestivos e importantes para essa apreciação crítica são dois outros trabalhos, intitulados “Preparos para um poema ou a primeira refeição do aluno Mário Alex Rosa” e “Santa Letra”.  No primeiro, a referência imediata é o Oswald de “O primeiro caderno do aluno de poesia Oswald de Andrade”, no qual, como nos lembrou Raúl Antelo, pratica-se a “enunciação-criança”. Segundo o crítico, a partir de observações de Elisa A. Kossovitch, nesse modo de enunciação “não se encena [o] verossímil porque se efetua anamnese, a fala pretérita, recuada, em que a criança se constitui como objeto do narrador mesmo quando este enuncia ‘eu’. Mas ‘ela também é sujeito do enunciado, personagem, actante-sujeito ou actante-objeto (...)’” (ANTELO, R. Prefácio. In: ANDRADE, Oswald. Primeiro caderno do aluno de poesia Oswald de Andrade. São Paulo: Globo, 1994. p. 9). Nesse sentido, o objeto-arte de Mário Alex Rosa constitui-se portador de múltiplos discursos ao trazer à cena uma interseção simultânea da experiência do visto e do imaginado, na medida em que a experiência vivida pode ser ativada tanto pela poesia infantil de Oswald quanto pela lembrança do poema “Sentimental”, do Drummond, de Alguma Poesia: “Ponho-me a escrever teu nome/ com letras de macarrão”. Um “romântico trabalho” repentinamente interrompido pela razão pragmática na voz daqueles que o contemplam: “- Está sonhando? Olhe que a sopa esfria!”. E a reação do poeta-menino: “Eu estava sonhando.../ E há em todas as consciências um cartaz amarelo:/’Neste país é proibido sonhar’” (DRUMMOND, C. In: DRUMMOND, C. Nova Reunião – 19 livros de poesia. Rio de Janeiro: José Olympio, 1985, p. 14).

pinçando


            O sonho, na poesia, opõe-se ao pragmatismo da vida, ao pragmatismo das coisas. Portanto, para o poeta, antes esfriar a sopa, que se abdicar da escrita. As letras de macarrão desse poema ressoam na “preparação” do poema do aluno Mário, poeta-designer, que, em diálogo com os seus mestres poetas, parece encontrar em “Santa Letra” a talvez faltante letra drummondiana - a que lhe permite inscrever o nome numa possível anamnese de sua formação cristã na juventude. De fato, o objeto poético intitulado “Santa Letra” utiliza também as letrinhas de macarrão, algumas pintadas, para compor uma alusão às famosas representações da Santa Ceia. As taças, dispostas numa superfície circular, trazem inscritos nomes que sugerem os dos doze apóstolos, inclusos, entre eles, o de Jesus e o nome “poeta”. Assim, para além de uma possível remissão a sua juventude e talvez a nomes comuns de amigos e colegas de infância que, com o poeta, compartilharam experiências comuns, há no poema-objeto também a perspectiva de se entender a letra como um alimento espiritual – esse ponto de vista reforça, de certa maneira, a leitura do objeto poético comentado anteriormente, já que os materiais embasam o procedimento são os mesmos. Quanto à questão em torno do nome, há que se ver o objeto poético “Eu Lírico”, caixa composta por letras varetas, pregos e pequenas placas, ao que parece de madeira, em que letras coloridas estabelecem um paradoxo entre a negação e a afirmação do “eu” como matéria corpórea do poema: “E u / p o e m/ a N A O/ S O U” (ROSA, Mário Alex). Além disso, o título “EU LÍRICO”, em cores diferentes, aparece como que gradeado por varetas enxertadas na tampa da caixa, como que a sugerir um possível cerceamento deste EU.
Trouxeste a chave


            Enfim, para retomar essa ideia do poeta em meio aos inutensílios, que corresponderia num primeiro momento ao deslocamento dos objetos de sua função ordinária. No entanto, podemos dizer que os objetos-poéticos expostos em “Desambientes” são resultantes de uma espécie de transfiguração desses objetos ordinários de nosso cotidiano. Sua obscuridade transcendente, tão combatida pelas vanguardas artísticas, dissolve-se à medida que Mário Alex Rosa dota-os de um poder comunicativo que eclipsa o vetor de sua funcionalidade. Invocam-nos, por conseguinte, a noção de “coleção”, numa perspectiva da sociologia dos objetos. É preciso, no entanto, lembrar que, em seu sentido etimológico, o objeto significa a coisa existente fora de nós, algo que resiste ao indivíduo. Portanto, é também o produto do homo faber. Conforme nos lembra Abraham Moles, o objeto só se constitui como tal em sua apropriação ou função social, pois é “um elemento do mundo exterior fabricado pelo homem e que este deve assumir ou manipular. Um machado de sílex é um objeto, enquanto que o sílex não o é...” (Grifos originais) (MOLES, A. Objeto e comunicação. In MOLES, A et. al. Semiologia dos objetos. Petrópolis, RJ: Vozes, 1972).


Torneletras


Nesse sentido, uma dimensão poética presente nos objetos-poéticos que visitamos nessa Exposição é a do poeta-inventor, do poeta-designer. Isto é, aquele que inventaria os objetos do cotidiano e os vê como portadores de morfemas, e que através dessa percepção os transforma. Nesse trabalho, o poeta acaba por denunciar aquela moral social que rejeita a ociosidade do objeto, como já demonstrou Jean Baudrillard. Algo que também está presente no poema “Sentimental”, de Drummond, conforme já apontamos. Pensando nessa exposição, poderíamos repetir para Mário Alex Rosa, as palavras de João Cabral de Melo Neto dirigidas a Vicente do Rego Monteiro: “(...) E é por isso/ que quando a mim/ alguém pergunta/ tua profissão/ não digo nunca/ que és pintor/ou professor/ (palavras pobres/ que nada dizem/ de tais surpresas);/ respondo sempre:/ - É inventor, trabalha ao ar livre/ de régua em punho,/ janela aberta/ sobre a manhã.” (MELO NETO, J. Cabral. A Vicente do Rego Monteiro. In: Poesia crítica. Rio de Janeiro: José Olympio, 1982, p. 88).




           





[1] Rogério Barbosa da Silva é doutor em Literatura Comparada pela UFMG e professor do Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais.

quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012

Paysage et/ou portrait symboliste

Paysage et/ou portrait symboliste : une question de sens ?


L’association d’un genre, le « paysage », avec une tendance, un mouvement ou un moment de l’histoire de l’art, ici le « symbolisme », ouvre certes des perspectives variées et riches [1]. Pour autant, il est fort difficile, dans le contexte précis de la nébuleuse symboliste et avec tous les problèmes de définition qui s’y attachent, de désigner avec certitude ce qu’est ou ce que n’est pas un « paysage symboliste », ou à partir de quel moment un paysage peut-être qualifié comme tel. Sans doute est-ce pour cette raison que, en dehors d’études monographiques qui ne peuvent exclure de leur propos une partie du corpus de l‘artiste, ou de sphères géographiques dans lesquelles le paysage tient, pour des raisons d’identité culturelle forte, une place caractérisée sur le plan symbolique ou philosophique (par exemple le monde septentrional) [2], le paysage symboliste a été peu étudié en tant que tel aussi bien dans l’historiographie que dans les catalogues d’expositions. Si de rares paysages figurèrent dans certaines manifestations pionnières consacrées au symbolisme telles que French Symbolist Painters en 1972 [3], Autour de Lévy-Dhurmer, visionnaires et intimistes en 1973 [4], ou Le Symbolisme en Europe en 1976 [5], c’était incidemment et ils n’y étaient jamais étudiés en tant que tels. Il faut attendre 1995 et l’exposition du Musée des Beaux-Arts de Montréal Paradis perdus, l’Europe symboliste pour qu’on assiste à une approche plus précise avec un corpus raisonné consacré aux « Lieux de l’inquiétude » et un paragraphe de l’essai de Jean Clair « Le moi insauvable », dévolu aux « Maisons et lieux hantés » ; encore s’agissait-il de choix qui ramenaient le paysage à une thématique bien précise et n’en théorisaient pas le genre lui-même, tout en tenant dans le catalogue de l’exposition une place assez marginale. Lors de l’exposition Les Peintres de l’âme, le symbolisme idéaliste en France, organisée en 1999 au Musée d’Ixelles, dont c’était la station inaugurale préludant à une itinérance [6], nous avons souhaité que des paysages soient présents en nombre conséquent, reflétant un parti-pris théorique et scénographique qui s’articulait autour de deux notions : « Le Paysage de l’âme » et « L’âme du paysage » ; cette dialectique s’inspirait d’un poème de Georges Rodenbach dont un quatrain faisait partie des citations inscrites sur les murs de l’exposition [7].
On le voit, la notion même de « paysage symboliste », en dépit d’une actualité récente et à venir un peu plus nourrie [8], ne possède pas vraiment une légitimité contemporaine très ancienne, ni très ancrée dans les préoccupations des chercheurs, alors même qu’elle a pu être parfois du temps des artistes un sujet de questionnement et d’intérêt [9]. C’est donc dans ce contexte lui-même incertain en termes de taxinomies et de signification de ce qu’est ou non un paysage symboliste, qu’il nous semble intéressant d’aborder la relation du paysage avec le portrait et ceci à travers la question du sens. Si nous mettons sciemment le terme de sens en italiques, c’est, pour rassurer le lecteur, qu’il ne s’agira pas ici d’explorer d’obscures significations ou d’utiliser par exemple une méthode sémiologique. C’est en effet de manière tout à fait pratique, voire prosaïque, et non sans un jeu de mot que l’on nous pardonnera, que nous usons du mot « sens », puisqu’il sera bel et bien question du sens dans lequel est disposée la peinture, ou plus précisément de l’orientation choisie par l’artiste pour installer son châssis sur le chevalet, c’est à dire de son format, vertical ou horizontal, « figure » ou « paysage », selon la règle dénominative admise dans l’art occidental depuis toujours et qui scelle de manière presque exclusive l’association d’un genre avec un format.
Cette règle, à laquelle on nous objectera sans doute des contre-exemples, ne semble en réalité guère souffrir de transgressions significatives jusqu’à la fin du XIXe siècle. S’agissant du portrait, le format « figure » règne indubitablement et, s’il faut considérer à part la question du portrait double, du portrait de groupe, du « portrait triple » d’une même personne (comme celui de Richelieu par Philippe de Champaigne), voire du portrait en pied dans un contexte général, ou du portrait assis ou allongé qui, tous, pour des raisons évidentes, nécessitent un élargissement du format, le « vrai » portrait, de face ou de trois-quarts, de visage ou de buste, apparaît toujours représenté sur un format figure. La même règle, si l’ont peut dire, caractérise le format paysage, sauf lorsque, là aussi, des exigences décoratives et architecturales l’imposent ou dans le cas de la prédominance d’un « motif » qui, au sein du paysage, en nécessite un point de vue vertical pour le saisir intégralement, contrainte qui tranche alors avec la pratique majoritaire. Si l’on observe en préalable à notre propos, quelques exemples d’exceptions ou de cas particuliers, c’est pour mieux en confirmer la règle ou souligner le fait que, même avant le symbolisme, la transgression de cette « règle », fût-elle rare, prend toujours des allures de « contresens », de questionnement ou d’étrangeté.

1. Joshua Reynolds (1723-1792)
Autoportrait à la palette, 1747
Huile sur toile - 63 x 74 cm
Londres, National Portrait Gallery
Photo : National Portrait Gallery

Lorsque, en 1747, Joshua Reynolds peint l’Autoportrait à la palette (ill. 1), il choisit un format horizontal pour donner plus d’ampleur à sa pose ; c’est de tous ses autoportraits le seul de ce format, plutôt d’ailleurs un format figure « renversé » qu’un format paysage à proprement parler, comme si le châssis était employé dans le « mauvais sens » ; ce faisant, le peintre s’éloigne toutefois du spectateur, ou du miroir dans lequel il se prend manifestement pour modèle, et l’on peut avancer que c’est non seulement parce qu’il est ébloui par la lumière provenant de sa gauche, mais tout autant à cause de cette distance prise, qu’il fait le geste qui consiste à placer sa main au-dessus de ses yeux pour mieux nous (se) voir. Ce format, voulu pour une image plus large du modèle, semble contrarier la pratique même du portrait intime, la possibilité d’approcher la physionomie du personnage et son message psychologique : d’une certaine manière on pourrait dire que ce format, utilisé à « contre-sens », apparaît finalement comme « invalidant » partiellement la notion même de portrait individuel.

2. Gustave Courbet (1819-1877)
Le Désespéré, 1843-1845
Huile sur toile - 45 x 54 cm
Collection particulière
Photo : D.R.

Si l’on regarde, un siècle plus tard, ce qu’il est convenu de considérer comme un autoportrait de Gustave Courbet avec Le Désespéré (ill. 2) (autoportrait ou artiste se prenant pour modèle dans la constitution d’une étude d’expression), on constate qu’à l’inverse de l’image précédente, le choix de ce format horizontal précipite le personnage vers nous dans une interpellation hallucinatoire et que le geste qui permet cette réussite, cette véhémence, ne pouvait sans doute être exploité par le peintre sans avoir recours à l’élargissement du champ (nécessaire pour montrer les bras relevés) et donc à un renoncement à la verticalité ; le tableau d’Oslo, qui reprend ce modèle mais en pieds et vertical, est évidemment beaucoup moins fort parce qu’il éloigne le visage du spectateur. On le voit, d’une manière ou d’une autre, le « changement de sens » par rapport à la règle d’adéquation genre/format, quelle que soit l’époque que l’on prend pour exemple, non seulement reste rare, mais entraine toujours une réflexion qui n’est pas anodine.
A l’inverse, si l’on ose dire, lorsqu’on prend en compte l’histoire du paysage, cette adéquation du genre avec « son » format est aussi parlante et semble ne s’assouplir qu’à la fin du XIXe siècle. Certes, et ainsi que nous l’avons évoqué, dans nombre de cas, l’usage d’une rotation du support se voit exigée par la nécessité de saisir le motif dans son entièreté (arbre, montagne, cascade, architecture) sans que cela ait obligatoirement un autre « sens », même si l’on a pu, à juste titre, évoquer, comme Baldine Saint Girons dans le catalogue de l’exposition du Musée de Valence consacrée en 1997 au paysage et à la question du sublime, un « privilège de la verticalité » [10]. Encore celui-ci est-il lié au motif, lui-même vertical, plus qu’à un choix véritable de changer la donne du point de vue du format : le texte introductif du catalogue, qui évoque cette verticalité, est en effet illustré par certaines œuvres et sur les sept tableaux reproduits, un seul est « verticalisé ». S’agissant des autres, comme la Vue prise de la voûte « Le Chapeau » du glacier des Bois et des Aiguilles du Charmoz de Jean-Antoine Linck (1799) (ill. 3), on comprend bien que le motif montagneux est vertical mais qu’il n’entraine pas pour autant de « redressement » du format.

3. Jean-Antoine Linck (1766-1843)
Vue prise de la voûte « Le Chapeau » du
glacier des Bois et aiguilles du Charmoz
, 1799
Huile sur toile - 39 x 50 cm
Chambéry, Musée des Beaux-Arts
Photo : Chambéry, Musée des Beaux-Arts

4. Akseli Gallen-Kallela (1865-1931)
Le Grand pic noir, 1892-1894
Huile sur toile - 145 x 90 cm
Collection particulière
Photo : D.R.
Si l’on regarde l’image d’un célèbre paysage d’Akseli Gallen-Kallela, L’Arbre au Pic noir (ill. 4), qui frappe, cette fois-ci, réellement par la verticalité de son format, plus, là aussi, un châssis de type paysage renversé qu’un format figure, on perçoit assez vite que ce choix a pour but de mettre en évidence l’intégralité du pin au sommet décharné, sur fond de ciel, et le pic noir qui s’attaque à une branche morte : s’il y a un message symboliste dans l’œuvre, c’est fort indépendamment de cette verticalité, l’artiste ayant dû adapter son format au motif. Celle-ci perd alors sa dimension de paysage au sens traditionnel et panoramique du terme. Dans ces différents cas, tous intéressants, on peut avancer que le non-respect du format « obligé », le détournement du « sens » du tableau par rapport à son genre, aboutissent soit à une forme de négation du genre de peinture pratiquée, sans qu’on puisse réellement constater que l’œuvre bénéficie de la spécificité du genre du format utilisé en remplacement, soit à l’expression véritablement « d’autre chose » que ce que le genre pratiqué suscite habituellement : mais nous sommes dans le règne de l’exception et non dans le cas d’un mouvement significatif ou d’un système.
A l’époque du symbolisme, en revanche, on observe un certain nombre d’exemples, non plus des exceptions mais plutôt la constitution d’un système, qui, ne répondant pas à la nécessité d’adapter le format à l’objet de manière purement pratique (faire entrer le motif dans le cadre), révèlent eux aussi une transgression de ces règles admises, mais une transgression volontaire, fréquente, et qui fait sens, sans italiques ni guillemets celui-là, au-delà d’une simple rotation du support.

5. Lucien Lévy-Dhurmer (1865-1953)
Portrait de Georges Rodenbach, 1896
Pastel sur papier - 36 x 55 cm
Paris, Musée d’Orsay
Photo : Musée d’Orsay/RMN
6. Lucien Lévy-Dhurmer (1865-1953)
Fantôme d’Orient ou Pierre Loti, 1896
Pastel sur papier - 42,4 x 56,4 cm
Bayonne, Musée Basque et de l’histoire de Bayonne
Photo : Musée Basque et de l’histoire de Bayonne

Lorsque, à la fin du XIXe siècle, Lucien Lévy-Dhurmer conçoit les portraits de deux figures littéraires majeures de son temps, Georges Rodenbach (ill. 5) et Pierre Loti (ill. 6), il choisit délibérément le format paysage, horizontal, et non pas le format portrait, et il ne s’agit pas non plus d’un format « figure » renversé. Il place ses deux modèles « devant » un paysage, dans une forte proximité avec le spectateur, choisissant un cadrage très singulier, qui n’est ni un buste à proprement parler, ni une tête, puisqu’il laisse voir un commencement d’épaules, mais un entre-deux qui suggère justement comme une apparition soudaine des personnages devant nos yeux. Or, au même moment, la manière dont le peintre figure Rodenbach et Loti fait tout pour nous en éloigner. La proximité perçue tout d’abord s’estompe, comme sous l’effet d’une presbytie qui renvoie notre regard vers le fond de l’œuvre, tandis que le premier plan devient difficile à appréhender. A l’instar d’un procédé photographique, la mise au point semble faite sur le paysage, qui nous saute aux yeux (c’est particulièrement sensible pour le portrait de Rodenbach dont la ville a d’ailleurs été dessinée d’après photographie), tandis que le poète, le romancier, bien que « plus près » de nous, semblent irréels. Cette sensation d’éloignement est renforcée par le traitement du regard des personnages : perdu ou transparent, avec une expression inexpressive, voire défaillante, chez Rodenbach, rêveuse et qui passe à côté de nous (entre le strabisme et l’évitement) pour Loti, mais de manière suffisamment subtile dans les deux cas pour que nous ne soyons pas en mesure de déterminer exactement ce qu’il en est. Ces deux figures des lettres contemporaines sont invoquées comme des spectres qui tenteraient de s’accrocher à leur propre matérialisation : leur présence-absence rappelle irrésistiblement l’idée d’une apparition spirite. Certes, on pourrait avancer qu’en optant pour ce format et la présence d’un paysage, il s’agit seulement pour le peintre d’évoquer avec le portrait de ces écrivains la « nature » de leur univers, la caractérisation poétique de leur répertoire, une simple référence iconographique à leur œuvre (Bruges pour Rodenbach, Istanbul pour Loti). Peut-on vraiment s’en tenir à une approche aussi anecdotique ? Le choix de ce format et sa combinaison avec l’exercice du portrait, dans le contexte symboliste, ne nous posent-il pas des questions bien plus complexes ? Sommes-nous devant un paysage ou devant un portrait ? L’image du créateur représenté au premier plan prime-t-elle sur le « fond » qui illustre son œuvre ? Ou bien n’est-ce pas, au contraire, dans ce format, le paysage qui s’impose et génère l’apparition du poète, son chantre ? S’agit-il d’une représentation de l’homme ou de l’œuvre ? Lévy-Dhurmer nous montre-t-il Rodenbach et Loti ou bien Bruges-la-Morte et Aziyadé ? En un mot, Rodenbach et Loti sont-ils vus comme l’âme poétique du paysage représenté, les créateurs auxquels le lieu a inspiré leur œuvre, ou bien ces vues de Bruges et du Bosphore sont-elles des paysages de l’âme de ces poètes, des « paysages introspectifs » pour reprendre le titre de l’essai de Tancrède de Visan consacré au symbolisme littéraire [11] ? En réalité, grâce à la subtilité du travail de l’artiste (cadrage, facture différenciée du modèle et du fond, traitement du regard), c’est dans une sorte de dialectique entre l’une et l’autre de ces propositions que se situe la réponse. Car c’est bien d’un renvoi de l’une à l’autre qu’il s’agit, processus sans fin et dont la non résolution, typiquement symboliste, doit suggérer le sens profond, l’intime fusion entre l’œuvre et l’homme, mais aussi une réflexion sur la relation entre l’Idée et son vêtement sensible, la « vision » cérébrale et sa transcription artistique, toutes questions qui prennent sens dans le contexte du renouveau idéaliste. Ainsi, ces portraits « sur » paysage ne font-ils pas figure pour la revendication même de l’art idéaliste en mettant au premier plan l’image spiritualisée d’un poète, tandis que le second plan illustre et donne corps à son « idée » par une matérialisation qui symbolise son œuvre ? Ne sommes-nous pas en « présence » d’une dialectique figurée de l’Idée et de la forme, la seconde vêtant la première d’une enveloppe sensible, selon la définition de Jean Moréas dans son manifeste du symbolisme ? Ce dialogue de l’esprit et du corps de l’œuvre (figure et paysage), qui s’articulent dans une alchimie complexe, ne peut-il aussi évoquer, dans leur hypothétique dissociation, le vocabulaire spirite ? Car qu’est-ce qu’un esprit sans corps sinon un fantôme, et qu’est-ce qu’un corps sans esprit sinon une dépouille, termes que l’on pourrait fort bien, en adoptant la vision des idéalistes, appliquer à la peinture elle-même. Pour les symbolistes, en effet, la peinture « sans idée » n’est certes qu’un corps sans âme… et ces « peintres de l’âme » rejetaient un art uniquement formaliste. Les portraits-paysages de Lévy-Dhurmer, on le voit, ne sont pas à « sens unique » : le contournement de la règle du genre et de son format associé, ouvre la porte à un jeu de miroirs, de basculement, et de déplacements du sens qui est infini et, loin du hasard ou de l’anecdote, de la simple conjugaison de deux genres ou de l’iconographie littéraire, il en ressort des problématiques essentielles.
7. Emile René Ménard (1861-1930)
Portrait de Charles Cottet, 1896
Huile sur toile - 65 x 83 cm
Paris, Musée d’Orsay
Photo : Musée d’Orsay/RMN
Mais Lévy-Dhurmer n’est pas le seul à avoir pratiqué une telle approche. Ainsi, René Ménard dans son Portrait de Charles Cottet (ill. 7) choisit-il le même procédé en optant de nouveau pour un format paysage. Si le peintre est représenté plus amplement en buste et avec une présence physique davantage forte que chez Lévy-Dhurmer (due peut-être à la spécificité de sa corpulence), il est dans une même posture d’absence ; on constate le contraste entre sa silhouette monolithique assez pesante et une physionomie inexpressive. Là aussi, le regard, fuyant, perdu, et, en tout cas, insaisissable, semble passer à côté du spectateur, renvoyant, comme avec les portraits de Pierre Loti et de Georges Rodenbach à un ailleurs purement mental. Le fond du tableau est occupé par un paysage typique de la Bretagne chantée sur ses toiles par Cottet et l’on y retrouve les bateaux caractéristiques d’une certaine partie du Finistère, avec leurs voiles « au tiers » et colorées au minium. Ici s’instaure le même dialogue, le même va-et-vient que chez Lévy-Dhurmer, entre le portrait et le paysage, l’artiste et son monde poétique, l’homme et l’œuvre, sans qu’on sache si le premier est spectateur mental de l’autre et nous le rend visible, ou si c’est le paysage dont l’âme poétique suscite l’apparition de celui qui l’a si souvent pris pour modèle. Toutefois, dans le cas du portrait de Cottet, la question se complexifie encore, puisque, peintre, le paysage qui lui est familier et que Ménard représente, est aussi celui de ses toiles, non pas donc simplement la matérialisation par Ménard de l’univers de Cottet, mais une sorte de tableau dans le tableau, comme si le peintre (Cottet) se trouvait devant une de ses toiles, occupant tout le fond du portrait. Image dans l’image, le paysage n’est peut-être plus seulement l’évocation d’un univers poétique, source de l’œuvre de Cottet, mais son œuvre même, une toile dans la toile : la figure de Cottet pourrait ainsi même apparaître comme intrusive, le vrai tableau étant simplement un de ses paysages copiés par Ménard, le corps de l’œuvre devant laquelle apparaîtrait l’esprit de celui qui l’a peinte.
On le voit bien, dans tous ces exemples, le choix du format « paysage » a pour but de créer, en réponse et en dialogue subtil avec la « figure », un lieu qui constitue bel et bien cette partie de l’œuvre en « paysage d’âme », rejoignant la notion de paysage « état d’âme » pour reprendre l’expression fameuse d’Amiel dans son Journal ou même l’esthétique de Poussin qui, comme le rappelle Roger Marx en pleine période symboliste, « longtemps avant Amiel [… ] a professé que « tout paysage est un état d’âme » [12]. Il n’est pas indifférent de mentionner, d’ailleurs, que Joséphin Péladan, dont l’action et les textes théoriques font figure pour une partie de l’univers symboliste, proscrivait le paysage dans ses règles pour les Salons de la Rose+Croix, n’y autorisant que les paysages « à la Poussin » [13].

8. Paul Gauguin (1848-1903)
Autoportrait au Christ jaune, 1890-1891
Huile sur toile, 30 x 46 cm Paris, Musée d’Orsay
Photo : Musée d’Orsay/RMN

9. Charles Filiger (1863-1928)
Portrait d’Emile Bernard, 1893
Huile sur toile - 30 x 25 cm
Paris, Collection particulière
Photo : D.R.
Au-delà de la promotion du paysage « pur » au rang de représentation mentale, l’association avec le portrait, au format paysage, apparaît donc bien comme un moyen, non pas de situer anecdotiquement un modèle dans tel ou tel contexte mais, bien au contraire, de problématiser la représentation et de l’enrichir d’une dimension supérieure. En témoignent ainsi d’autres exemples, que l’on pourrait multiplier. Lorsque Paul Gauguin choisit le format paysage pour certains de ses autoportraits, c’est, lui aussi, pour évoquer un « paysage d’âme ». Ainsi, l’Autoportrait au Christ jaune (ill. 8) donne-t-il l’exemple, comme chez René Ménard peignant Charles Cottet devant un de ses tableaux, d’un paysage mental qui est ici « paysage artistique », comme si l’artiste voulait aussi évoquer une géographie intime de son œuvre (représentée par deux autoportraits symboliques, Le Christ jaune, et le Pot en forme de tête de grotesque auxquels il prête en effet ses traits) : on réduirait évidemment le sens de ce tableau à n’y voir qu’un autoportrait dans un coin d’atelier ! La validité de la spécificité de ce lieu, cet espace du « paysage mental » ou artistique, est confirmée par de nombreux exemples ; on pourrait ainsi citer le Portrait d’Emile Bernard (ill. 9) par Charles Filiger, dans lequel la figure du peintre doit tout à la facture de Filiger, mais dont le paysage qui sert de fond à la toile est d’un style qui est celui de Bernard lui-même, renvoyant à son œuvre et donc à un double paysage, celui du décor du fond du tableau et celui des œuvres de Bernard, son « paysage esthétique ». On doit convenir qu’ici le format est plus carré, entre « paysage » et « figure », que proprement « paysage », mais il ne s’agit pas non plus de prétendre que tous les portraits symbolistes mettant en œuvre ce système sont de format paysage ; l’émancipation de la règle d’adéquation entre le genre et « son » format n’est pas absolue et la montée en puissance du paysage symbolique au sein du portrait peut aussi s’accommoder du format figure, comme on le voit ici.

10. Jacek Malczewski (1854-1924)
L’Heure de la création – La Harpie endormie, 1907
Huile sur toile - 72 x 92 cm
Poznan, Collection particulière
Photo : D.R.
11. Jacek Malczewski (1854-1924)
Portrait de Waclac Karczewski, 1906
Huile sur toile - 64,5 x 81 cm
Varsovie, Musée national
Photo : Varsovie, Musée national

Dans l’œuvre très spectaculaire de Jacek Malczewski, qui n’est pas économe d’autoportraits et de portraits symbolistes, on trouve le même recours au format paysage pour évoquer l’univers mental du modèle. Dans L’Heure de la créationLa Harpie endormie (ill. 10), qui est évidemment une œuvre programmatique, la posture du personnage, l’artiste lui-même, s’avère encore plus caractéristique, puisqu’on n’en voit que la tête, laissant une très large place au « paysage », un paysage naturel autant que symbolique. C’est le moment où l’artiste est délivré des contingences matérielles et charnelles (pendant le sommeil de la Harpie) qu’il peut créer. Mais Malczewski utilise le même procédé dans de nombreuses autres œuvres évocatrices dont nous ne citerons que deux exemples : avec le Portrait de Waclaw Karczewski, (ill. 11), on retrouve le personnage au premier plan, un modèle dont la tenue, civile et urbaine, aussi bien que la posture par rapport au fond et à la facture différenciée de ce fond avec le modèle, confirment qu’il ne s’agit pas d’un portrait bucolique mais bien de l’évocation d’un univers mental par un paysage symbolique : ici, c’est le souvenir commun du peintre et de son modèle qui est invoqué à travers l’enfance, les contes et le monde des rêves, incarnés par l’apparition improbable d’un chevalier en armure. Le Portrait de Stanislaw Witkiewicz, (ill. 12), peintre et théoricien de l’art, présente un même schéma avec, comme chez René Ménard représentant Charles Cottet, ce regard perdu et pensif d’un modèle immobile, tandis que le paysage aux arbres penchés par le vent et aux nuages véhéments évoque un paysage mental mouvementé. Le statisme de la figure, perdue dans ses songes, contraste en effet avec cette tempête déchainée, suggestive et symbolique des tourments du personnage (peut-être représenté une seconde fois en petit au sein même du paysage), tourments qui nous échapperaient sans cette mise en abîme « paysagère ».

12. Jacek Malczewski (1854-1924)
Portrait de Stanislaw Witkiewicz, 1902
Huile sur toile
Zakopane, Musée des Tatras
Photo : Zakopane, Musée des Tatras

Certains symbolistes ont donc recours au détournement du format pour enrichir et complexifier leur portrait en le transformant en paysage d’âme, mais on peut se demander si d’autres n’ont pas eu l’idée de procéder à la démarche inverse, ne pratiquant plus dès lors le portrait sur un format paysage, mais le paysage sur un format figure et ceci, non par nécessité pratique mais en résonance avec le sens de leur tableau : un portrait du modèle « en paysage ». La figure, l’effigie du modèle, aussi évanescente soit-elle, y disparaîtrait entièrement au profit du paysage seul. Là où Lévy-Dhurmer et Ménard associaient encore au paysage l’image du poète évoqué, il s’agirait de l’effacer entièrement pour ne laisser subsister que son double symbolique, pas même un paysage « état d’âme », mais un paysage, portrait d’âme. Louis Welden Hawkins donne l’exemple d’un tel procédé avec un paysage, au format figure, qui n’est autre qu’un portrait de Stéphane Mallarmé et de son œuvre. Il s’agit en effet du tableau donné par l’artiste au poète en 1896 avec cette dédicace : « A Stéphane Mallarmé, gardien du mystère, j’offre cette porte fermée » (ill. 13). Avec la barrière qui redouble comme une seconde clôture la porte mystérieuse, la ronce qui la ferme et cette rose, « l’absente de tout bouquet » mallarméenne, on se trouve bien dans un paysage qui, par la « série de déchiffrements » prônés par le poète, forme un portrait codé de lui-même et de son œuvre, cryptée et complexe. Certes, nous avons bien ici un portrait de Mallarmé, mais l’âme du poète, et son œuvre, y sont encore plus présentes que si elle y étaient « représentées ».

13. Louis Welden Hawkins (1849-1910)
La Porte fermée, 1896
Huile sur toile - 46 x 29 cm
Vulaines-sur-Seine, Musée Stéphane Mallarmé
Photo : Musée Stéphane Mallarmé

En réponse à ce don, Mallarmé écrivit à Hawkins le 8 avril 1896 pour le remercier de ce « talisman de longues heures, que nul regard ne peut épuiser » [14]. La formule choisie par l’auteur d’Hérodiade confirme bien qu’au-delà du motif se cache une multiplicité de sens, irréductible, magique, objet d’interprétations nécessitant déchiffrement, mais sans résolution possible.
14. Louis Welden Hawkins (1849-1910)
Paysage, vers 1895
Huile sur toile - 70 x 67 cm
Paris, Collection particulière
Photo : Thomas Hennocque
Hawkins donne un autre exemple, moins connu, de cette disparition du corps sur un format figure : là aussi l’effacement du modèle permet que le paysage s’y substitue afin de nous le livrer mieux encore. Cette œuvre, en apparence « sans mystère », prend sa vraie dimension et rejoint le « sens » de la figure invisible, lorsqu’on constate qu’elle est dédiée, sobrement, « à Jean Lorrain », ce poète, critique et romancier si caractéristique de la fin-de-siècle symboliste et « décadente » (ill. 14). Quelques arbres y figurent, perdus dans un lieu automnal indéterminé, ni forêt, ni bois, ni clairière, mais plutôt un entre-deux isolé. Au fond du tableau, un relief apparaît comme un talus ou un remblai tandis que des feuilles mortes jonchent le sol où stagne une modeste flaque d’eau. Et pourtant, derrière ce paysage anodin, quelque peu terne, voire triste, se cache un authentique portrait psychologique du romancier. Ce lieu isolé et désert, n’évoque-t-il pas l’univers poétique, mais aussi personnel, de Lorrain, les errances nocturnes de ses personnages, tout comme les siennes, au bord des fortifications, les « fortifs », dans la « zone », le lieu « interlope », l’entre-deux social où le romancier allait chercher, après quelque prise d’éther, l’émotion forte, la rencontre louche, le mauvais garçon, la confrontation de l’univers littéraire avec une réalité moins éthérée et plus sordide et en même temps génératrice de son œuvre ? Ce sol aux feuilles décomposées, qui attirent l’œil, ce cadrage bas, privé de ciel, mais aussi cette modeste flaque d’eau, cloaque sans ostentation toutefois et dans lequel se reflète un peu d’azur, ne sont-ils pas le symbole de ressorts psychologiques et romanesques troubles, avec leur part de désespoir et d’abaissement mais aussi de transcendance par la création et par l’art ?
15. Emile Fabry (1865-1966)
L’Homme devant son destin, 1897
Huile sur toile - 52,5 x 66 cm
Montréal, Musée des Beaux-Arts
Photo : Montréal, Musée des Beaux-Arts
Ainsi, en dehors de la remise en question de la hiérarchie des arts, à laquelle les symbolistes concourent par leur intérêt pour les arts décoratifs et leurs liens avec l’Art nouveau, et au-delà même de l’abolition de la hiérarchie des genres, déjà acquise en grande partie à leur époque, ces artistes ajoutent une révolution peut-être plus forte encore puisqu’ils s’attaquent à la définition même des genres, intrinsèquement : ce n’est pas seulement le sens du châssis qu’ils « détournent » à l’occasion, c’est le « sens » même de la peinture et de chacun de ses genres auquel ils ôtent leur monolithisme. Faisant d’un paysage un portrait, ou d’un portrait un paysage, et dépassant plus encore cette classification pour parvenir à un au-delà, par définition insaisissable, ils prônent cette polysémie, irréductible à un genre et qui érige l’acte de peindre lui-même, pour paraphraser l’expression de Hawkins à propos de Mallarmé, en un mystère dont ils se veulent les gardiens. Ce mystère étant constitutif de la pratique et du message mêmes du symbolisme, force est de se poser la question suivante : existe-t-il, au fond, un paysage symboliste, à proprement parler, indépendant de tout autre genre, et suffisamment définissable pour en rendre pertinente une approche spécifique ? Où commence-t-il ? Où finit-il ? Peut-on en circonscrire le domaine et de quelle manière ? Est-il raisonnable d’en exclure la figure et peut-on y consacrer un livre ou une exposition sans tomber dans le piège d’un enfermement réducteur que les symbolistes voulaient à tout prix éviter et combattre ? En abordant la question du paysage et en l’associant à un autre « genre », nous avons essayé de suggérer qu’il était nécessaire d’échapper au piège de la catégorie, et nous en avons dressé une forme de portrait... qui est aussi un paysage... qui est aussi un portrait ! Lorsque, en 1897, Emile Fabry peint un « portrait » symboliste de L’Homme devant son destin (ill. 15), il choisit un format horizontal : le personnage emblématique (qui y représente sans doute à la fois la condition humaine et celle de l’artiste), pour faire « face à son destin », se détourne du spectateur et se retourne vers… le paysage.

Jean-David Jumeau-Lafond, mardi 21 février 2012

Para acessar o texto na publicação original:
http://www.latribunedelart.com/paysage-et-ou-portrait-symboliste-une-question-de-i-sens-i-article003566.html

Notes

[1] Ce texte, légèrement adapté à la forme écrite, est issu d’une communication faite le 26 mars 2011 à l’Institut national d’Histoire de l’Art lors du séminaire (non publié) consacré au « paysage symboliste » dans le cadre du programme Redefining European Symbolism 1880-1910 (The Leverhulme Trust), animé par le Professeur Richard Thomson.
[2] Voir par exemple Roald Nasgaard, The Mystic North symbolist landscape painting in northern Europa and north America 1890-1940, University of Toronto Press, Toronto, London, 1984.
[3] French Symbolist Painters, cat. exp., Londres, Hayward Gallery, Liverpool, Walker Art Gallery, 1972, Arts Council of Great Britain.
[4] Autour de Lévy-Dhurmer, visionnaires et intimistes en 1900, cat. exp., Paris, Galeries nationales du Grand Palais, 1973, Editions des Musées nationaux.
[5] Paradis perdus, l’Europe symboliste, cat. exp., Montréal, Musée des Beaux-Arts, 1995.
[6] Jean-David Jumeau-Lafond, Les Peintres de l’âme, le symbolisme idéaliste en France, cat. exp. Bruxelles, Musée d’Ixelles, 1999, Anvers, Pandora, 1999. Le corpus de l’exposition, et singulièrement celui des paysages, fut augmenté au fur et à mesure de l’itinérance (Madrid, Paris, Salzbourg, Chemnitz, Japon, Holtegaard, Laren) jusqu’à la présentation de l’exposition à Tampere en Finlande (Painters of the Soul, Symbolism in France, cat. exp., Tampere art Museum, 2006). Une sélection d’œuvres plus spécifiquement réunies autour de « l’idée de paysage « (comprenant paysages « purs », paysages « animés », portraits symbolistes et plusieurs sculptures), fut ensuite présentée en Espagne, en Catalogne et en Italie ; il s’agissait de la première exposition consacrée en Europe au paysage symboliste : voir Un pais idéal, El paisaje simbolista en Francia, Fundacion Caja Navarra, Sala de Cultura Castillo de Maya, Pampelune (espagnol) 2006 ; El paisatge simbolista a França, Fundacio Caixa de Girona, 2006 (bilingue Français/Catalan) et Il Luogo Ideale, Il paesaggio simbolista in Francia, Nuoro, Museo d’Arte Provincia di Nuoro, Sardaigne (italien), 2007.
[7] « Sur les tableaux pendus aux murs, dans la mémoire/ Où sont les souvenirs en leurs cadres déteints / Paysages de l’âme et paysages peints / On croit sentir tomber comme une neige noire. », Georges Rodenbach, Du Silence, Paris, Alphonse Lemerre, 1888, p. 4.
[8] Voir par exemple l’exposition Landschappen van de ziel /Paysages de l’Âme, paysages symbolistes français 1880-1910, La Haye, Gemeentemuseum (19 octobre 2010 - 30 janvier 2011) et, prochainement, l’exposition Dreams of Nature, Symbolism from van Gogh to Kandinsky, Amsterdam, Van Gogh Museum (24 février – 17 juin 2012) qui sera présentée à Edimbourg, Scottish National Gallery (14 juillet – 14 octobre 2012) et à Helsinki, Ateneumin Taidemuseo, Valtion Taidemuseo (16 novembre 2012 – 17 février 2013) sous un autre titre : Van Gogh to Kandinsky : Symbolist Landscape in Europe 1880-1910.
[9] Comme nous l’avons suggéré à propos de la critique de Roger Marx avec notre communication : « Un paysage idéaliste ? », dans Regards de critiques d’art. Autour de Roger Marx (1859-1913), dir. Catherine Méneux, Actes du colloque organisé par la ville de Nancy et l’INHA en 2006, Rennes, PUR, 2009, p. 113-120.
[10] Baldine Saint Girons, « Au risque de la grandeur. Du privilège de la verticalité », dans Le Paysage et la question du sublime, cat. exp., Musée de Valence, 1997, p. 17. 12.
[11] Tancrède de Visan, Paysages introspectifs, avec un essai sur le symbolisme, Paris, Henri Jouve, 1904.
[12] Roger Marx, Discours prononcé lors de l’inauguration du monument Nicolas Poussin aux Andelys et des fêtes organisées pour le troisième centenaire de Poussin, publié dans « Le IIIe centenaire de Nicolas Poussin », L’Artiste, VII, juin 1894, p. 462-467.
[13] Joséphin Péladan, « Règles et monitoires », Salon de la Rose+Croix, Paris, E. Dentu, 1891, Titre IV, n° 6.
[14] Stéphane Mallarmé, Correspondance, éd. Henri Mondor et Lloyd James Austin, Paris, Gallimard, 1983, T. VIII, p. 105-106.

sábado, 18 de fevereiro de 2012

Romantismo - por Rüdiger Safranski


Friedrich - Cloister Cemetery in the Snow -1817

O romântico faz parte de uma cultura viva; política romântica é contudo perigosa. Para o Romantismo, que é a continuação da religião por meios estéticos, vale o mesmo que para a religião: ele tem de vencer a tentação de se lançar ao poder político. Fantasia no poder! – essa não foi mesmo uma idéia tão boa.

Por outro lado, não devemos perder o Romantismo, pois o juízo político e o sentimento de realidade são muito pouco para se viver. O Romantismo é a mais valia, o excedente de um belo estranhamento em relação ao mundo; a riqueza de significados. Desperta a curiosidade pelo que é completamente distinto. Sua imaginação desatada nos dá os espaços dos quais necessitamos, se percebermos, como Rilke, que

“Nós não estamos realmente em casa

no mundo interpretado”.



In: SAFRANSKI, Rüdiger. Romantismo: uma questão alemã. São Paulo: Estação Liberdade, 2010.


sexta-feira, 17 de fevereiro de 2012

BOTTICELLI por WALTER PATER


SANDRO    BOTTICELLI
por WALTER PATER
(tradução Jardel Dias Cavalcanti)


    


            No tratado de Leonardo sobre a pintura, só um de seus contemporâneos é mencionado pelo seu nome: Sandro Botticelli. Esta preferência poderia ser devida unicamente ao acaso, porém, na opinião de algumas pessoas, mais parece resultar de um critério deliberado; agora também se começou a descobrir o encanto da obra de Botticelli, e seu nome, não muito conhecido no século passado, pouco a pouco, vai adquirindo importância.

            Na metade do século XV, aquele pintor antecipou em muito a sutileza reflexiva que às vezes se crê peculiar nos grandes artífices imaginativos de seu meio. Abandonando a ingênua religião que havia ocupado os seguidores de Giotto durante um século, e o singelo materialismo que ela havia criado, buscou inspiração no que para ele eram as obras do mundo moderno, os escritos de Dante e Boccaccio e em suas novas leituras das narrativas clássicas; e também, quando pintava assuntos religiosos, o fazia com íntimo impulso de um sentimento original, que nos comove efetivamente pela materialidade de sua pintura, revelada sob o véu de seu conteúdo aparente. Qual é a sensação particular, qual é a qualidade de prazer que sua obra tem a propriedade de excitar em nós e que não podemos encontrar em outro lugar? Porque esta, particularmente, é sempre a pergunta que um crítico deveria fazer-se quando vai se referir a um artista desconhecido.

            Em uma época em que a vida dos artistas era cheia de aventuras, sua vida apresenta-se quase incolor. Na realidade, a crítica tem desmentido muito das fofocas que Vasari acumulou; tem colocado em seu lugar a lenda de Lippo e Lucrécia e reabilitado o caráter de Andrea de Castagno. Porém, no caso de Botticelli não há lenda a dissipar. Nunca se apresentou com seu verdadeiro nome; Sandro é apenas um apelido e seu verdadeiro nome é Filipepi; Botticelli não é mais que o nome do ourives que o iniciou na arte. Só duas coisas aconteceram, duas coisas que compartilhou com outros artistas: foi chamado a Roma para pintar a Capela Sistina e viu-se nos últimos tempos de sua vida sob a influência de Savonarola, e viveu aparentemente longe do juízo dos olhos dos homens, submerso numa espécie de lipomania religiosa que durou até sua morte, em 1515, data geralmente aceita. Vasari diz, além disso, que se engajou no estudo de Dante e ainda que escreveu um comentário sobre A Divina Comédia.

            Porém, parece estranho que Botticelli tenha vivido inativo tanto tempo, e quase desejamos que algum documento situe sua morte em data anterior, para podemos nos exonerarmos de pensar nele em sua enlutada velhice.

            É, sobretudo, um pintor poético, que mistura ao encanto do tema, o sentimento, expediente próprio da arte da poesia, com o encanto da linha e da cor, expediente da pintura abstrata. Porém, ele se converte em ilustrador de Dante. Nos raros exemplares da edição de 1481, os espaços em branco, reservados ao início de cada um dos Cantos do poema ao ilustrador, foram preenchidos até o décimo nono Canto do Inferno com pranchas de impressões gravadas, aparentemente, como ensaios; porque, no exemplar da Biblioteca Bodleyana, um dos três gravados foi impresso de cabeça para baixo, numa posição muito obliqua, no meio da luxuosa página impressa. Giotto e os discípulos de Giotto, com sua quase infantil e pueril inclinação religiosa, não haviam aprendido a infundir aquela densidade de significado nas coisas exteriores, a luz, a cor, os gestos cotidianos, que é próprio da poesia da Divina Comédia; e antes do século XV, Dante dificilmente poderia ter encontrado um ilustrador.


As ilustrações de Botticelli estão cheias de episódios misturando, com ingênua despreocupação com qualquer correção pictórica, três fases de uma mesma cena em uma única gravura. Os grotescos, calcanhar de Aquiles dos pintores, esquecem-se que as palavras de um poeta, às quais só oferecem uma débil imagem do espírito, devem ser rebaixadas de tom quando são traduzidas em forma visível, lamentam que ele não tenha preferido escolher, para ilustrá-las, as imagens mais enternecedoras do Purgatório. E, contudo, na cena dos que “descem rapidamente para os abismos infernais”, há um engenhoso vigor que persiste no fogo colado às plantas invertidas dos pés dos condenados, que demonstra claramente que o desenho não é mera interpretação das palavras de Dante, mas a verdadeira visão de um pintor; enquanto a cena dos Centauros seduz instantaneamente, Botticelli, descuidado das práticas circunstanciais de sua aparência, se deixou levar com deleite pela influência desses centauros, apresentando-os como brilhantes e pequenas criaturas dos bosques, com travessas caras de crianças e formas graciosas, atirando com pequenos arcos.

Botticelli viveu entre uma geração de pintores naturalistas e pode ser um deles. Há em sua obra características daquele implacável sentido das coisas exteriores que, nas pinturas daquele período, preenche os prados com delicadas criaturas viventes e as ladeiras com lagoas, e as lagoas com floridos junquilhos. Porém, isto não o bastava; ele é um pintor imaginativo e em sua qualidade  imaginativa se parece com Dante. Giotto, o amigo predileto de Dante, Massaccio, e até Girlandaio, não fazem senão transcrever, com maior ou menor refinamento, a imagem exterior; são dramáticos, não imaginativos; são expectadores quase impassíveis da ação que se passa frente a eles. Porém, o gênio do qual Botticelli é protótipo, converte os dados que tem à sua frente em expoente de idéias, disposições de ânimo, fantasias próprias dele; nesse empenho, joga a seu favor com os dados, combinando-os de uma nova forma. Para ele, como para Dante, a cena, a cor, a imagem ou o gesto exterior se oferecem com toda sua incisiva e insistente realidade; porém, despertam nele, por uma lei sutil de sua própria estrutura, uma disposição de ânimo única, do qual eles são o duplo ou a repetição e na qual se revestem em características visíveis.

Porém, está longe de aceitar a convencional ortodoxia de Dante, a qual, reduzindo toda ação humana à mera fórmula do Purgatório, Céu e Inferno, deixa um resíduo de prosa nas profundezas da poesia dantesca. Um quadro seu, com o retrato do doador, Mateo Palmieri, teve o mérito ou o demérito de atrair certa sombra de censura eclesiástica. Mateo (duas figuras confusas se movem sob esse nome na história daqueles tempos) foi reputado autor de um poema, La Cittá Divina, que representa a raça humana como encarnação daqueles anjos que na revolta de Lúcifer não estavam nem à favor de Deus nem do Diabo; fantasia daquela antiga filosofia alexandrina, para o qual as inteligências florentinas daquele século se mostravam tão cheias de curiosidade. O quadro de Botticelli poderia ter sido apenas uma dessas composições familiares em que a fantasia religiosa registrou suas impressões acerca de várias formas da existência bem-aventurada – Glórias, como se chamavam -; como aquela em que Giotto pintou o retrato de Dante; porém, o certo é que se tornou suspeito por haver incorporado em um de seus quadros a desobediente fantasia de Palmieri, e a capela onde estava pendurado foi fechada.

Artistas tão complexos como Botticelli se mostram geralmente indiferentes às teorias filosóficas, até quando o filósofo é um florentino do século XV e sua obra um poema terza rima. Porém, Botticelli, que escreveu um comentário a respeito de Dante e chegou a ser discípulo de Savonarola, bem pode ter se deixado influenciar por semelhantes teorias. Verdadeira ou falsa, essa anedota explica muito do peculiar sentimento que infunde em seus personagens sagrados e profanos, graciosos e, de certa forma, parecido com anjos, ainda que em prejuízo, por não acharem-se em sua própria esfera – a nostalgia dos banidos-; conscientes de uma paixão e uma energia superior a qualquer aspecto que se possa explicar, e que circula por toda sua obra tão variada com um sentimento de inefável melancolia.

Assim, justamente aquele que Dante deprecia como indigno do Céu e do Inferno, Botticelli o acolhe; esse mundo intermediário, em que os homens não tomam partido em grandes conflitos, nem decidem em grandes litígios e dos quais são grandes renunciadores. Desse modo, estabelece os limites dentro dos quais a arte, não perturbada por nenhuma ambição moral, realiza sua obra mais sincera e segura. Não se interessa nem pela imoderada bondade dos santos de Angélico, nem pela imoderada maldade do inferno de Orcagna[1], senão pelos homens e mulheres de condição incerta, sempre atraentes, revestidos, às vezes, pela paixão por certa forma de beleza e energia, ainda que entristecidos perpetuamente pela sombra que se deita sobre eles, das grandes coisas pelas quais tremem. A moralidade de Botticelli é toda compaixão ao infundir em sua obra algo mais que o esperado, um verdadeiro caráter de humanidade, que o converte, apesar de ser tão imaginativa, em um poderoso realista.

É o que comunica às suas Madonas aquela expressão única e seu encanto. Trabalhou nelas uma forma diferente e peculiar, suficientemente definida em seu próprio espírito, porque as pintou uma ou outra vez e, às vezes ousaríamos pensar, de um modo quase mecânico, como um passatempo durante aquele sombrio período em que seus pensamentos o oprimiam tanto. Apenas coleções famosas possuem uma dessas pinturas circulares em que os anjos acompanhantes inclinam suas cabeças tão calorosamente. Talvez tenhas perguntado porque essas Madonas de rosto displicente, não adaptadas a nenhum admitido ou definido tipo de beleza, os atrai cada vez mais e sempre voltam à sua memória, enquanto a Madona Sistina e as Virgens de Fra Angélico são esquecidas pelos outros. A princípio, comparando aquelas com essas, podereis ter pensado que há nestas talvez um não sei que de vulgar e até baixo, e que as linhas abstratas do seu rosto possuem pouca nobreza e que sua cor é pálida. Porque para Botticelli, ela também, ainda que sustente em suas mãos o “Desejado das nações”, é uma das que não estão nem “por Deus nem por seus inimigos” e sua opção está estampada em sua face. A branca luz vem de baixo, dura e sem alegria, como quando a neve cobre o solo e os meninos levantam seu olhar com surpresa à estranha brancura da celagem. Sua inquietude lhe vem, precisamente, da carícia daquele misterioso menino, cujo olhar está sempre afastado dela e que tem, desde já, esse doce aspecto de devoção que os homens têm sido incapazes de amar, e que, no entanto, converte o predestinado a santo em um suspeito para a maioria de seus irmãos da terra.

Em um de seus quadros, na realidade, ELE guia a mão dela para que transcreva em um livro as palavras em seu louvor, o Ave, o Magnificat e o Gaude Maria: e os jovens anjos, felizes por distraí-la por um momento de seu abatimento, se esforçam em oferecer-lhe o tinteiro e apoiar o livro. Porém, a pluma quase se desprende de sua mão, e as altas e frias palavras não têm significado para ela, pois seus verdadeiros filhos são os outros, entre os quais, em sua rústica morada, vêem a ela em busca do intolerável favor. Têm em seus rostos irregulares esse olhar de saudosa interrogação que vemos nos animais assustados – meninos e ciganos como os que, em aldeias Apeninas, embora aos domingos sejam sacristãos, ainda levantam seus largos braços morenos para pedir-nos esmolas, com seus espessos cabelos negros bem penteados e limpos lenços brancos em seu pescoços tostados pelo sol.

O mais estranho é que Botticelli infunde também este sentimento em seus temas clássicos; e sua expressão mais completa é uma pintura que está nos Uffizi, de Vênus saindo do mar, em que os grotescos emblemas da Idade-Média, de uma paisagem plena em sua peculiar sensibilidade,  até suas estranhas roupagens, todas salpicadas, à maneira gótica, por um belo e arcaico capricho de margaridas, enquadram uma figura que nos lembra os impecáveis estudos dos nus de Ingres. A princípio, talvez, sejas atraído somente pelo esmero do desenho que parece recordar-lhe imediatamente tudo quanto tenha lido sobre Florença do século XV; porém, logo pensarás que este esmero é impróprio ao assunto, que sua cor é cadavérica ou pelo menos fria. E ainda mais quando compreenderes o quanto imaginativo é o último, quando compreenderes que toda cor é uma mera causalidade deliciosa das coisas naturais ou uma especial atitude pela qual se fazem expressivas ao espírito, mais o agradará esta singular condição de seu colorido e encontrareis no delicado desenho das obras de Botticelli um acesso mais direto ao temperamento grego ou que tiveram as obras dos mesmos no mais refinado de seus períodos. Dos gregos, como foram realmente, de como se diferenciaram de nós, dos aspectos de sua vida exterior, sabemos mais que Botticelli e que seus mais eruditos contemporâneos; porém, em nós, nossa mais vasta familiaridade com eles tem embotado o sentido de seu exemplo, e apenas temos consciência do que devemos ao espírito helênico.

Porém, em pinturas como essa de Botticelli, temos uma mostra da impressão produzida por aquele espírito nas mentes que se moviam até ele com aspiração quase angustiada, em um mundo que havia permanecido ignorado durante tanto tempo; e na paixão, na energia e na perícia da execução com que Botticelli leva adiante seu empenho, se encontra a exata medida da legítima influência que exerce sobre o espírito humano o sistema imaginativo, do qual esta Vênus é, talvez, o mito central. A luz é, na verdade, fria; não é mais que um amanhecer sem sol; porém, um pintor mais tardio nos teria saciado de sol. E podemos contemplar o melhor da graça dessa quietude na dilatada massa de ar matutino, nesses largos premonitórios que descem até a beira da água. Os homens saem para seus trabalhos até o entardecer, mas ela, a Deusa, permanece alerta e devemos supor que a dor de sua expressão se deve à preocupação que lhe produz o completo e longo dia de amor que todavia a espera. Uma emblemática figura do vento sopra com força do outro lado da água cinza, empurrando para longe a concha de bordas delicadas em que navega; o mar, “mostrando seus dentes”, ao mover-se em delgadas linhas de espuma, embebe uma por uma as rosas que vão caindo, severas em seu contorno (desenho), arrancadas com o talo curto, porém, um tanto morenas como são as flores de Botticelli. Ele se propunha que todas aquelas imagens produzissem prazer; e foi em parte por uma insuficiência de meios, inseparável da arte daquela época, o que as amortizava e esfriava. Porém, essa predileção pelos tons menores tem também seu valor, e o indubitável é a melancolia com que concebeu a deusa do prazer, como depositária de um grande poder sobre a vida dos homens.

Diz-se que o caráter peculiar de Botticelli é o resultado da mescla de uma simpatia pela Humanidade em sua incerta condição, de sua poder de atração, revestido, em raros momentos, de uma reputação de amabilidade e energia, com seu conhecimento íntimo da sombra que desce sobre a aparência das grandes coisas das quais é separada: isto transmite em sua obra esse algo mais do que transmitem os que pintam o ordinário em busca da verdadeira complexidade da humanidade.

Pintou a história da deusa do prazer em outros episódios, além deste nascimento no mar; porém, nunca sem alguma sombra de morte na carne cinza da deusa e em suas descoloridas flores. No entanto, pintou Madonas, que se estremecem ao contato do deus menino, e que clamam com inconfundíveis, silenciosos acentos, em favor de uma mais afetuosa e submissa humanidade. A tradição afirma que a imagem representa a própria Simonetta, amante de Giuliano de Medici; a mesma figura volta a aparecer como Judith, regressando para casa através da campina montanhosa, terminada sua grande proeza e chega o momento da violenta separação, quando a rama de oliva em sua mão se transforma em uma carga opressiva; como Justiça, sentada no trono, porém com uma expressão fixa, de ódio a si mesma, pela qual a espada que tem em suas mãos se torna semelhante a de um suicida; e outra como Verdade no quadro alegórico da Calúnia, onde se pode notar de passagem o detalhe sugestivo que identifica a imagem da Verdade com a figura de Vênus. Deveríamos descobrir o mesmo sentimento em seus gravados, porém, sua participação neles é duvidosa e a finalidade deste breve estudo terá alcançado sua justificativa se puder definir justamente o estado de espírito em que ele trabalhava.



Por último, devemos perguntar-nos: um pintor como Botticelli, um pintor menor, é um objeto conveniente para fundar uma crítica de caráter geral? Temos poucos grandes pintores como Michelângelo e Leonardo, cuja obra se converteu numa força da cultura geral, em parte precisamente pela razão de que eles absorveram em sua própria personalidade tudo de um artista como Sandro Botticelli; além da crítica puramente arqueológica ou técnica, deve ser muito bem empregada nesse gênero de interpretação a crítica geral que ajusta a posição destes homens a uma cultura maior, posto que homens de menos capacidade podem, entretanto, ser apropriados para o estudo do passado.

Porém, junto a esses grandes homens há certo número de artistas que gozam de uma marcante capacidade de transmitir-nos um tipo particular de prazer que não encontramos em outra parte. E estes também têm seu lugar na cultura geral e devem ser interpretados pelos que sentiram seu encanto, sendo frequentemente sujeitos de uma especial e apaixonada consideração, justamente por que não recai sobre eles a força de um grande renome e autoridade. A este seleto número pertence Botticelli. Ele tem a frescura, a incerta e tímida promessa, própria do primitivo Renascimento, e que faz daquele período talvez o mais interessante da história do espírito humano.

Ao estudar sua obra, começamos a compreender a que alto destino foi chamada a arte da Itália na cultura humana.



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Nota sobre Walter Pater



Walter Pater nasceu em Shadwell (Londres), no dia 4 de agosto de 1839 e morreu em Oxford, aos cinqüenta e cinco anos, no dia 30 de julho de 1894.

Sua família, de origem holandesa, se gabava de ter entre seus antepassados o pintor Juan Bautista Pater. Ingressou em 1858 no Queen´s College, de Oxford, onde depois de quatro anos doutorou-se em literatura clássica. A leitura de Modern Painters de Ruskin teve uma excepcional influência na orientação de seus estudos, fazendo-o viajar a Roma, Pisa e Florença em 1866. Muito depois, em 1882, empreenderia outra viagem, exclusivamente para o estudo de Roma. Visitou também a França, onde fez grandes amizades.

Conheceu Swinburne no seio de uma sociedade de jovens de Oxford denominada “Old Mortality” e também, em Oxford, teve como aluno o escritor Oscar Wilde.

O princípio fundamental de sua estética, “todas as artes aspiram à música”, marcou o rumo de uma orientação crítica na história da arte. Em 1873 publicou o volume de ensaios intitulado Studies in the History of the Renaissance, em cuja conclusão advogou o princípio da “Arte pela Arte”, segundo o qual a arte não tem qualquer finalidade útil.

O nome de Pater apareceu nas revistas no ano de 1866 com um ensaio sobre Coleridge e outro sobre Winckelmann. Foi o último quem o entusiasmou a se aprofundar no estudo da grande civilização italiana e o induziu a fazer sua primeira viagem à península.

Na Itália fizeram-se seus intérpretes Angel Conti e Gabriel D´Annunzio; este último expõe grande parte dos cânones desta doutrina nas páginas de sua novela “O Fogo”.

Para Pater, a beleza não é captada por nossa sensibilidade ou por nossa inteligência, mas por uma misteriosa faculdade da alma que, prescindindo delas, anuncia e existe em si mesma como uma faculdade que, sem ser intelectual, é teorética.

Longe de ser um estilista com postura de sacerdote da beleza, era um espírito intimamente filosófico cujos próprios ímpetos e anseios do coração se crivavam e se temperavam sobre um fundo de rara vocação teórica.

Seu platonismo e epicurismo não eram apenas um estado de alma, mas uma necessidade de organização interior, de sistematização mental, de esclarecimento intelectual. Sua crítica, pois, não se evidencia unicamente como uma efusão de sentimentos pessoais do crítico, mas como o fruto de um pensamento ordenado e coerente que poderia ser discutível, mas que tinha sua lógica interior infalível.

Seu método crítico, além das infuências de Winckelmann e de sua viagem à Itália, sofre a influência de John Ruskin, titular da cátedra de estética da Universidade de Oxford.

Ruskin era um escritor que conseguiu transformar sua contemplação em ação e vida. Acreditava ter descoberto o poder de elevação moral que tinha a arte e por toda sua existência dedicou-se a trabalhar para seus contemporâneos como um sacerdote desta nova religião no santuário intelectual de seu país, propondo a arte como problema nacional. Ruskin, no entanto, jamais usou o vocábulo “estético” e falava sempre de uma “capacidade contemplativa” ou de uma “faculdade teórica”.

Pater é o herdeiro espiritual de Ruskin, não só por sucedê-lo na cátedra, mas também por transmitir seus conhecimentos com profunda compreensão e humanidade. Pater buscou substituir o mestre no papel de guia das consciências de sua geração e, de certa forma, inclusive, superá-lo.

Suas meditações sobre a arte e em que a vida se refere, o haviam conduzido a uma espécie de epicurismo intelectual. A vida se desliza e escapa de nossas mãos como na conhecida imagem de Heráclito. Não nos resta buscar uma permanência senão na nossa sensibilidade, esta nossa ilusão do eterno: “Arder sempre com esta chama, pura como uma jóia, manter este êxtase, é o êxito da vida”.

Sem dúvida este misticismo estético não é a nota dominante de seu espírito; este hedonismo romântico, não é o único aspecto de suas lições. Pater buscou extrair de suas visões da beleza e de sua estética, tanto uma doutrina moral como um sistema de vida para sua geração. Sua obra, pois, assume um caráter de um apostolado e transpõe os confins da teoria estética, para invadir os campos da moral e da religião. Este fundo, longe de atrapalhar seus princípios sobre a arte, acrescenta um encanto exotérico e misterioso aos seus escritos.

O sentido de sua doutrina estética deve ser buscado principalmente no seu famoso ensaio sobre os “Estilos” e seu pequeno livro O Renascimento. Esta doutrina pode resumir-se em algumas proposições: a independência da forma e o predomínio da idéia na valorização de uma obra de arte; a crítica deve buscar interpretar a idéia contida, ainda que de forma imperfeita. Cada quadro, mais que uma obra da beleza, é, antes de tudo, o sintoma de um sentimento religioso. E é este sentimento o que realmente pesa na hierarquia dos valores.

Princípios discutíveis e superados hoje pela maioria da crítica contemporânea, porém, se posto a serviço de um espírito seletivo e de excepcional sensibilidade, como era o de Pater, dão lugar a páginas incomparáveis de beleza e de penetração. Apesar de alguns erros históricos e de orientação, busca, até em contraposição de sua própria doutrina, apoderar-se da verdadeira essência das coisas, do verdadeiro sabor da obra estudada e do verdadeiro sentido dos movimentos preferidos.

Uma cultura vastíssima passada pelo crivo de um intelecto obcecado pela organização e largamente meditada, contribuiu para aprofundar o valor de suas intuições. Cada coisa conhecida, cada quadro notável, cada personalidade definida adquire, como por obra do encantamento e graças à crítica de Pater, um sabor, pode-se dizer, um esplendor inesperado, uma luz insuspeitada.

É o crítico do detalhe, que de um pormenor, de um acento, busca tirar conclusões sintéticas de toda a obra, de um movimento inteiro, de uma orientação e de uma cultura.  Poderia ser definido como impressionista, porém, na realidade, ele vai mais além da impressão natural, se desprendendo da forma sensível, para perseguir a idéia secreta e misteriosa que deve ajudá-lo a compreender e julgar.

E tudo expresso em um estilo incomparável, fundado mais sobre a trama das alusões e das reticências que sobre explícitas declarações. Um estilo que presume quase uma cumplicidade entre o escritor e o leitor, na qual um olhar, uma indicação, um sussurro, são suficientes para criar um clima favorável à compreensão.

Diz Pater: “Definir a beleza, senão nos mais abstratos, nos mais concretos termos possíveis para encontrar não sua regra universal, mas a fórmula que expresse adequadamente esta ou aquela de suas manifestações, é a mais alta aspiração dos verdadeiros estudiosos da estética”.

Das palavras de Pater se apreende a idéia de que em razão da verdade não aspira a glória de ser um teórico de uma doutrina artística, senão, e sobretudo, a glória do crítico que vislumbra e sugere uma interpretação original e profunda:

“A função do crítico esteta é a de distinguir, analizar e separar de seus instrumentos, a virtude pela qual um quadro, uma paisagem, uma interessante ou bela personalidade, seja na vida ou em um livro, produzem esta especial sensação de beleza e prazer, e indicar onde está a fonte desta sensação e sob que condições especiais a experimentamos”.

Ainda, diz Pater,

“O importante, então, para o entendime nto, não é que o crítico chegue a possuir uma correta definição abstrata da beleza, mas sim certa qualidade de temperamento que fundamenta-se na faculdade de ser profundamente sacudido pela presença de objetos formosos”.

Uma concepção romântica, mas Pater possui um temperamento excepcional que corrige os erros, inclusive, às vezes, até erros históricos, com uma assombrosa intuição, buscando extrair interpretações originais e felizes.

Pater colocava aos críticos e a si mesmo a seguinte questão: “Como podemos ver tudo o que pode ser vislumbrado no curso da sua duração por intermédio dos mais refinados sentidos?”

E conclui: “É aqui que a análise de detém: sobre este movimento, sobre esta paisagem, sobre este dissolver-se de impressões, de imagens, de sensações; sobre aquele contínuo desvanecer-se, aquele estanho, perpétuo fluir e refluir de nós mesmos”.

Um crítico dessa natureza se transmuta como que em um sacerdote que contempla as vísceras dos animais, o vôo dos pássaros para reconhecer neles a vontade de Deus.

Sentia sua própria função como uma missão religiosa. Da mesma forma que as obras de arte e monumentos da antiguidade romana, que falavam de forma sussurrada, como iniciados, sem afastar de seus olhos, atentos e amorosos, o rosto da divindade zelosamente refulgente que se escondia sob as terrenas aparências.

Pater produz uma qualidade de crítica de arte que por si mesma constitui uma obra de arte e que ajuda, não só a compreender, mas também a amar.

Os escritos de Pater expressam uma riqueza de cultura, uma fé tão ardente e uma sutileza de observações e sensibilidade tal que faz de seu estilo algo vivo e brilhante, conferindo-lhes um acento inconfundível, fazendo deles uma das mais conspícuas contribuições aos estudos sobre a arte do Renascimento.

Gherardo Marone

Agosto de 1943








[1] - Andrea di Cione di Arcangelo (1308 - 1368), mais conhecido como Orcagna, foi um pintor, escultor e arquiteto florentino. Foi aprendiz de Andrea Pisano e Giotto di Bondone. Seus trabalhos mais importantes incluem o altar do Redentor com a Madonna e Santos na Capela Strozzi, na Santa Maria Novella, e o tabernáculo, na Igreja de Orsanmichele (finalizado em 1359), que foi considerado a mais perfeita obra do seu tipo na Itália gótica. Seu afresco O Triunfo da Morte inspirou a obra Totentanz (Danse Macabre), de Franz Liszt.





[1] - Andrea di Cione di Arcangelo (1308 - 1368), mais conhecido como Orcagna, foi um pintor, escultor e arquiteto florentino. Foi aprendiz de Andrea Pisano e Giotto di Bondone. Seus trabalhos mais importantes incluem o altar do Redentor com a Madonna e Santos na Capela Strozzi, na Santa Maria Novella, e o tabernáculo, na Igreja de Orsanmichele (finalizado em 1359), que foi considerado a mais perfeita obra do seu tipo na Itália gótica. Seu afresco O Triunfo da Morte inspirou a obra Totentanz (Danse Macabre), de Franz Liszt.